terça-feira, 25 de setembro de 2007

Violência contra crianças: Brasil e Portugal

Milhões de pessoas acompanham, nos últimos 115 dias, o drama no desaparecimento da menina de 5 anos Madeleine McCann. Não vale a pena percorrer os detalhes da investigação e os rumores que surgem na mídia todos os dias; o horrendo caso é apenas a ponta do iceberg de um problema social grave: a violência contra crianças.

No Brasil, as estimativas indicam que desaparecem 40 mil crianças todos os anos - fuga de casa em 75% dos casos. Em Portugal, não existem números precisos de quantas crianças desaparecem todos os anos, mas num período de 15 anos apenas 07 crianças permanecem desaparecidas. É evidente que existe toda uma série de motivos relacionados ao desaparecimento dessas crianças, mas a maioria delas está ligada à negligência dos pais, maus tratos e violência sexual.

O caso da pequena Madeleine comove profundamente e deve servir de alerta não só à sociedade portuguesa ou às européias, mas de exemplo à comunidade internacional para que sejam adotadas todas as medidas jurídicas cabíveis no controle das modalidades de crimes que envolvem o desaparecimento de crianças:
  • Tráfico de pessoas
A Europa enfranta o grave problema do tráfico de pessoas em seu território. O destino dessas pessoas - dentre as quais várias crianças - está ligada ao submundo da prostituição e ao tráfico de órgãos. No espaço da União Européia, a abolição das fronteiras internas entre os Estados-membros não pode ser uma bandeira político-institucional que facilite a transposição de crianças de um país a outro; além da fiscalização fronteiriça, a cooperação entre as autoridades judiciárias (Eurojus) deverá ser intensa e compartilhar todo o conjunto de informações disponíveis sobre pessoas desaparecidas.
  • Violência sexual
O que leva uma pessoa adulta a ter um impulso destrutivo desta natureza em relação a uma criança? Sem dúvida, a razão deve rondar distúrbios psiquiátricos graves que devem estar no centro das discussões deste problema. Enquanto uma solução definitiva não é encontrada para lidar com esses criminosos - castração química é uma das vias a serem adotadas na França e já empregada na Grã-Bretanha -, as autoridades públicas deveriam proceder às investigações necessárias à formação de um banco de dados que contenha informações de todos os predadores sexuais presos e em liberdade, além de garantir às vítimas e aos agressores os tratamentos psiquiátricos necessários à recuperação das primeiras e fiscalização do comportamento dos últimos.
  • Maus tratos
Eis um problema que afeta crianças, mulheres e idosos em vários países e sociedades. Um crime com elementos tanto culturais quanto psicóticos (ligado principalmente ao machismo e à misoginia), tornou-se uma bandeira política nos países mais democráticos; a idéia é intensificar a luta contra a violência doméstica - violência pode levar tanto ao homicídio quanto à fuga dos menores. Neste caso, um trabalho desde a família à escola (primeiro contato em largo com a sociedade) deve congregar a orientação de pais e familiares aos olhos atentos dos educadores, quanto aos sinais de violência intrafamiliar - que afete direta ou indiretamente a criança.

domingo, 23 de setembro de 2007

E por falar em democracia...

O periódico Folha de São Paulo está distribuindo aos setores sociais com maior poder aquisitivo uma série de livros intitulada "Folha explica...". O volume deste mês é "Folha explica a democracia", de responsabilidade do professor Renato J. Ribeiro, cujo capítulo primeiro pode ser lido neste link.

Contudo, um exame mais acurado do texto trouxe uma informação que me causou certa perplexidade: o senhor autor, do alto de sua sapiência enquanto "filósofo e professor da USP" ressalta que a democracia ateniense destinava-se preponderantemente às festas. Ainda bem que o "Folha explica a democracia" não é um livro acadêmico... porque da forma que o primeiro capítulo é conduzido, o leitor incauto pode ser levado a crer que a democracia, enquanto forma de governo, possa ser algo de secundário dentro de uma sociedade moderna; uma leitura mais atenta do texto revela isso quando o autor "insinua" uma prevalência da aristocracia ("Aristocracia é o poder dos melhores, os aristoi, excelentes" - conforme o texto) sobre a democracia "(...) o regime do povo comum, em que todos são iguais" - c.o.t.).


Ora, a redação é, no mínimo tendenciosa, fraca e descuidada: "Regimes democráticos só voltaram à cena em fins do século 18, mais de 2 mil anos depois", relata o texto; entretanto, o que ocorre no século XVIII é um sistema de representação dos nobres no Reino Unido da Grã-Bretanha, em que estão representados os lordes e os comuns num sistema monárquico. E, nos Estados Unidos da América, quando a revolução cria um Estado independente, pondo fim à dominação britânica, surge um sistema aristocrático escravagista no Sul e outro aristocrático industrial no Norte - havendo uma República um tanto mais democrática somente após a Guerra de Secessão, em 1861 (ainda, lembre-se que a segregação racial foi tolerada juridicamente nos EUA até 1964 - Civil Rights Act).

Outro fato que chama atenção é a idéia de que a democracia seria um sistema de governo apto às decisões banais: "Não é fora de propósito imaginar que o Rio de Janeiro, Salvador, o Recife e Olinda dariam excelentes cidades-estado, se decidissem adotar a democracia direta. Fariam constantes festas ao deus Dioniso (o Baco dos romanos) e, à volta disso, organizariam a vida social." Ora! Existe por trás da prática política a defesa de padrões de comportamento culturais. O que haveria de se esperar de uma cultura politeísta de dois mil anos atrás? Reuniões públicas para discutir uma forma de colonização da lua com as técnicas de viagem espacial existentes na altura? A religião é uma das bases da civilização ocidental (e da humanidade), até hoje - o que dizer daquela época?

Mesmo que aquela seja uma obra "para o grande público", em que seja impossível inserir toda a informação necessária à boa formação do conhecimento do público leigo, deveria ter sido melhor conduzida. Todo intelectual deve ter o cuidado em investigar e suspeitar das informações de que dispõe, porque as interpretações que de seus textos podem surgir serão sempre incontroláveis. Ao contrário do título da série, neste caso a "Folha desinforma...".

A "polititica" no Brasil: o "toma lá, dá cá" entre as classes.

A expressão "democracia de baixa intensidade" foi uma daquelas talhadas e divulgadas na língua portuguesa pelo intelectual e professor Doutor Boaventura de Sousa Santos, professor das universidades de Coimbra (PT) e Wisconsin-Madison (USA). Em uma de suas mais recentes publicações, Boaventura descreve o que vem a ser uma democracia: um processo político de des-construção e re-construção constante, de alternância no poder e redefinição dos interesses societais. Isso faz-me pensar no Brasil...

A História da República é formada por períodos alternados de ditadura que compõem, em sua totalidade, quase todos os anos de sua duração. É interessante observar, entretanto, que o nascimento da República deu-se através de um golpe militar; desde então, todos os governos ditatoriais foram coordenados direta ou indiretamente por generais. O que isso vem demonstrar?


Vem demonstrar que pode existir uma explicação sociológica aos fenômenos do autoritarismo, corrupção e impunidade na República brasileira. Essa "tradição" está ligada ao surgimento recíproco da classe média e das forças armadas no Brasil. Bem, uma das teses que podem ser levantadas é a de que a formação da classe média brasileira está diretamente ligada ao surgimento das autoridades administrativas (os chamados coronéis), responsáveis pela manutenção da ordem e defesa da propriedade privada no Brasil. Quem são os oficiais das forças armadas brasileiras? Quem chega ao posto de general, almirante ou brigadeiro? Hum... deixe-me pensar... É bem natural que um exame generalizado - que descarte casos fortuitos - indique a origem abastada das pessoas que integram esses postos. Essas pessoas ajudaram a compor a classe média "aristocrática" brasileira que, tendo perdido a influência e o poder econômico nas últimas décadas, ainda não perdeu o poder de influência política.

A última grande transição brasileira explica esse fenômeno: a redemocratização da política brasileira acompanhou uma mudança à escala global na forma de organização do Estado (um shift do Welfare state ao Neoliberalismo). O esvaziamento das funções e do papel do Estado e seu conveniente afastamento da esfera econômica estão intimamente ligado com o surgimento de um novo tipo de classe média no Brasil: os chamados "profissionais liberais", que provém majoritariamente dessa faixa social. Essa re-estruturação sócio-econômica está indissociavelmente ligada à continuidade (e aumento!!) da corrupção tupiniquim: os chamados "crimes de colarinho branco" são praticados por "técnicos em corrupção", que anseiam por encontrar brechas legais ou fundar novos grandes esquemas que lhes possibilitem aplicar o próximo golpe ou promover um novo "caixa dois" e etc. etc. etc.

O que isso quer dizer e aonde quero chegar? Ora! Escritores, pensadores, intelectuais e estudantes de todo naipe e orientação ideológica degladiam-se diariamente em blogs, jornais, revistas e salas de aula tentando explicar o inexplicável: qual é o problema com a política nacional. Bem, amigos, o Brasil é um país que vive uma "democracia de baixa intensidade". Significa dizer que os níveis de participação popular nas diretrizes governamentais é mínima e, olhando o papel do "povão" (os pobres) na "marcha da insensatez" é nula [expressão de José Leite Mesquita - blog do Mesquita].

O que me causa indignação é o bordão que atribui a crise política aos pobres: "pobre não sabe votar" e etc. Na realidade, a única participação dos pobres no poder ocorre no momento do pleito; tudo o que resta do controle democrático reside nas mãos dos profissionais liberais e ocupantes da Função Judiciária. Assim, a atribuição da culpa pelo estado das coisas deve ser endereçada de outra forma:
1) a classe média brasileira não faz outra coisa senão o seu papel histórico, que é fugir da pobreza custe o que custar e, se for preciso, participar na corrupção; essa participação pode ser ativa, passiva ou omissiva;

2) a classe média olha para os cargos públicos como um trainee olha a uma vaga de trabalho; há pouco ou quase nulo compromisso com a coisa pública - as funções públicas representam uma fonte de rendimentos com a estabilidade que foi turbada do trabalhador "comum";

3) uma vez no poder, seduzida pelo poder; a classe média brasileira locupleta-se, direta ou indiretamente do estado das coisas, porque para que haja uma grande mudança no cenário geral brasileiro, será preciso diminuir a concentração de riqueza; e a única coisa em que concordam ricos e intermediários é em não repartir "o bolo";

4) por fim, "é preciso" manter a estrutura escravocrata da sociedade brasileira; a exploração do trabalho é uma contrapartida assegurada às classes intermédias da população brasileira, que desfrutam do trabalho mal remunerado e serviçal da mesma forma como os políticos corruptos servem-se dos cofres do erário.

E, enquanto isso, a única salvação do povo brasileiro é o assistencialismo getulhista; é o bolsa família e o bolsa escola do "Sassá Mutema" que estiver no exercício do Poder.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

A "invasão" do Palácio do Planalto

Foi amplamente divulgada na mídia a suposta invasão do Palácio do Planalto por um agricultor retirante que intentava falar com o Presidente da República. O pobre homem foi algemado e levado do hall de entrada do Palácio do Planalto para uma ambulância do corpo de bombeiros, conforme noticia a imprensa nacional.

O caso é, sem dúvida, bastante interessante e merece algumas reflexões.

A primeira é que o prédio "invadido" é público; pertencendo à República, qualquer pessoa do povo pode lá entrar em dia de expediente, caso não esteja havendo nenhum evento previamente marcado, ou em situações de emergência ou perigo e etc.

A segunda está ligada à falsa representatividade dos políticos brasileiros e à falsa noção de soberania que existe por trás do exercício do Poder; as pessoas do povo não são bem-vindas quando estão em contato com os altos escalões do Governo, e isso se aplica não só à Presidência, como ao Congresso, Câmaras de vereadores, Prefeituras e assim por diante.


A terceira é o tratamento que a própria mídia dá ao caso; o agricultor, provavelmente faminto e desorientado é logo acusado de "invadir" o Palácio - talvez essa noção de que ele teria feito algo de errado está associada ao nome do prédio, um verdadeiro "Palácio", o habitáculo do "intocável Príncipe"...

Finalmente, custava explicar ao pobre cidadão que o Presidente não se encontrava no recinto, ou que não podia atendê-lo?

Quais são as verdadeiras ofensas por trás da atitude não só dos seguranças mas da mídia? Ora, são evidentes: mostram o autoritarismo das autoridades públicas, o distanciamento entre representantes e representados, a pouca instrução e credulidade do povo e a inexistência de um comprometimento dos Órgãos, funcionários e agentes públicos com os interesses dos menos afortunados. Imagino como seria a recepção de um empresário de paletó e gravata no mesmo "Palácio"...

Fontes:

Foto: Terra - Notícias/Brasil.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Iranianos: as próximas vítimas?

Uma vez eleito, num dos discursos logo após sua posse, o presidente francês Nicolas Sarkozy havia "jurado lealdade" à política norte-americana, dizendo reinaugurar uma cooperação com a Casa Branca que aproximaria a UE dos EUA.

As palavras do presidente francês não foram meras promessas; confirmaram-se nas recentes declarações do ministro dos negócios estrangeiros da França Bernard Kouchner. Embora tenha negado o que a imprensa européia chamou de "grito de guerra contra o Irã", o ministro Kouchner demanda uma ação política da UE que se converta numa sanção "mais dura" que aquelas econômicas aplicadas pela ONU. O que isso quer dizer? Quer dizer que a França (com o respaldo da Alemanha) apóia uma intervenção militar contra o Irã.

Convém perguntar: mas existe uma verdadeira ameaça militar iraniana? ou trata-se de outra "guerra preventiva"?

Mercenários norte-americanos matam 10 civis no Iraque

Enquanto no Brasil os senadores e políticos de plantão brincam de "res publica", soldados mercenários do grupo Blackwater USA assassinaram a sangue frio 10 civis iraquianos.

"O incidente de domingo, que segundo a versão oficial americana começou com um ataque dos rebeldes à coluna de veículos do Departamento de Estado americano sob escolta da Blackwater, levou Condoleezza Rice a pedir desculpas ao primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki. A chefe da diplomacia dos EUA ligou pessoalmente ao governante xiita. Mas a Casa Branca preferiu manter-se à margem desta polémica." (Diário de Notícias, 19/09/2007).

Significa dizer que no mundo globalizado e neoliberal gerenciado pelos norte-americanos, a segurança privada (e assassina) não representa nenhum grave constrangimento político - just business, baby.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

O "caso Renan"

Já faz algum tempo que se pode acompanhar o caso do senador da República Renan Calheiros (PMDB) - mais uma novela brasileira. Sem entrar no mérito, o fato que mais causou espanto e ojeriza foi a decisão que optou pelo julgamento secreto do caso, que terá lugar no Senado Federal. Assim, a "portas fechadas", terá lugar o procedimento institucional que decidirá o futuro político do senador Calheiros - e servirá de termômetro político para os próximos anos.

Ora, pelo fato do julgamento ser secreto, não poderá haver a participação popular - lamentavelmente, isso já era esperado. Mas existem outras conseqüências atreladas a esta decisão, que dizem respeito à saúde institucional não apenas do Senado mas da República como um todo. Isto dá margem de manobra para que uma decisão política se sobreponha aos interesses de lisura e juridicidade, que mantém não apenas o Estado de Direito mas o regime democrático do País.


Notícia da Folha de São Paulo relata que deputados federais deram impetraram um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF); o interessante foi observar a sustentação do pedido: não dizia respeito à manutenção do regime de governo nem tampouco ao interesse popular; o argumento dos impetrantes preconizava o interesse relativo aos deputados federais, já que o presidente do Senado é também o presidente do Congresso Nacional (composição bicameral entre Senado Federal e Câmara dos Deputados) - havendo, pois, o interesse dos representantes do povo em participar no julgamento. Desta conjuntura só podem advir dois resultados: 1) o STF adotaria um julgamento positivista (retrógrado e conservador), "dando voz" ao regimento do Senado, confirmando o julgamento secreto e fechado; ou 2) o STF não concederia a liminar e o mandado só seria decidido após julgamento do senador no Senado.

Mas que não usem o argumento de "independência entre Poderes", pois isso seria um desrespeito à inteligência de quem acompanha o degringolar deste caso com seriedade e ainda dá credibilidade (!) ao STF (?). Afinal, os interesses da República se sobrepõem aos das Casas Legislativas; o poder da República (soberania) pertence ao povo (que tem os seus representantes na Câmara dos Deputados) e não aos Estados-membros (que estão representados no Senado).

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Em resumo, esta é mais uma novela tupiniquim, mas gostaríamos que não terminasse num banquete italiano...

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Cumpra-se! Amém...

Deu na mídia que o Direito finalmente vai entrar no STF. Ora, depois de tantos anos de democracia, após tantos escândalos e maracutaias, finalmente o Direito será um dos componentes a dirigir o ordenamento jurídico brasileiro - só falta ser nomeada a Ética, a Moral e a Decência. Pena que o Direito em questão é canônico - e já entra no STF rezando "ave maria" e "pai nosso".

Qual é o "grande problema"? Aparentemente, nenhum. Porém, quando se examina o "episódio" com maior cuidado - diante das afirmações do próprio C. A. M. Direito -, deve-se estranhar o viés conservador que insiste em manter guarda nas cortes superiores do Brasil:
"A sua fé tem de obedecer rigorosamente o que determina as leis e a Constituição. Não só acredito como pratico o Estado laico"

"A minha fé católica, a qual tenho muito orgulho, me faz defender com intransigência a vida. Mas como juiz eu sempre cumpri as leis"

"A fé não pode limitar a ciência e a ciência não pode agredir a fé. Há de existir uma convergência"
Ora, a importância da Religião como sustentáculo civilizacional não está sendo questionada - até mesmo porque se a massa tivesse a consciência da inexistência de deus, a civilização estaria perdida [FREUD, 1927/1962]. O que causa espanto é a confrontação escolástica entre fé e razão, religião e ciência e Igreja e Estado - que aparece claramente nas frases acima citadas. É evidente que não há uma parcialidade; o Direito é axiológico demais... beirando à inconseqüência.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

O que muda na China, a partir de Outubro

A República Popular da China aprovou recentemente uma lei que dá o direito à propriedade privada. Isso significa que o gigante asiático deu o passo final para uma mudança de Capitalismo de Estado para Capitalismo de mercado. Mas, o que muda na China, a partir de Outubro (2007)?

Temos que ter em mente que a crise econômica nos E.U.A. tem suas raízes no que se pode chamar de "crédito de habitação" - que é uma linha de empréstimos aos privados para que possam investir em bens imóveis. O mercado imobiliário norte-americano é um dos carros-chefe do mercado de capitais, vez que o setor de construção civil movimenta uma larga parcela dos créditos das bolsas de valores de Chicago e Nova Iorque. Uma queda nos valores das ações dessas empreiteiras significou o abalo da economia norte-americana, que gerou ligeiras quedas nas bolsas de valores ao redor do globo - principalmente na Europa.


Entretanto, a China deu uma resposta inteligente para que seu crescimento de 11% do PIB não fosse afetado nesta rodada financeira de 2007: legalizou a propriedade privada em seu território - ao lado das propriedades coletiva e estatal. Essa foi uma jogada de mestre, que beneficiou as elites burguesas e preparou o território para a expansão e acumulação do capital naquele país. Os enganaram-se os pensadores que vinham imaginando um sistema de economia de mercado misto socialismo-capitalismo, com a devolução dos territórios de Hong Kong pelos britânicos (1997) e Macau pelos portugueses (1999). Primeiro porque não existe uma verdadeira experiência socialista na China, senão um regime totalitário de base político-filosófica confuncionista (sistema organicista família=sociedade=Estado; tutela disciplinar da Educação; controle da liberdade de expressão equiparada à omissão participativa e etc.).

Quando se costuma falar em Confúncio, logo alguém pensa num "guru" ou "líder religioso"; ledo engano. K'ong-tzeu era um homem letrado e em suas veias corria sangue aristocrático (embora não fosse filho de uma mãe aristocrata). Este indivíduo lançou as bases da filosofia política chinesa (coletivismo organicista e Estado forte e centralizado), que se difundiu profundamente na cultura de seu povo. Os chineses são ótimos negociantes; têm uma percepção do tempo alongada; são pacientes e disciplinados. E isso se reflete na força do partido único que lá existe. Vêm investindo pesadamente no militarismo; chegaram a gastar em 2006 19% do PIB com a modernização de seu exército. O Estado garante um crescimento econômico estonteante, reproduz a miséria e exerce um controle total na política, quer dizer, a sociedade civil não participa democraticamente nas decisões governamentais. É, portanto, o perfeito ambiente para o desenvolvimento do capitalismo globalizado: a repressão dos trabalhadores é imensa e a corrupção e o crime organizado controlam as relações laborais; a economia é controlada pelo Estado e o Estado é controlado por uma minoria (precisa dizer mais alguma coisa?); tem uma prática imperialista com seus vizinhos regionais (ex.: Taiwan, Tibet etc.) e assim por diante.

Portanto, o que muda na China: nada. Depois de ter garantido o desenvolvimento das infra-estruturas industriais necessárias ao fortalecimento da produção capitalista, este país vai continuar a sua expansão regional até que comece a prejudicar a pauta de exportações e o mercado financeiro japoneses (a "rinha" entre os dois países asiáticos sempre foi comercial). Se o crescimento chinês puser em causa a hegemonia dos japoneses na Ásia, o Japão terá sempre duas opções: investir capital na China ou ...
Detalhe na foto: Ferrari Testarossa em frente ao Comitê do Partido Comunista em Pequin.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Vadiagem no Brasil

Sentença prolatada na 5ª Vara Criminal de Porto Alegre, na qual o Juiz Moacir Danilo Rodrigues se manifesta no seguinte sentido:

"Marco Antônio (...), com 29 anos, brasileiro, solteiro, operário, foi indiciado por inquérito policial pela contravenção de vadiagem, prevista no artigo 59 da Lei das Contravenções Penais.

Requer o Ministério Público a expedição de Portaria contravencional.

O que é vadiagem? A resposta é dada pelo artigo supramencionado: "entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para trabalho..."

Trata-se de uma norma legal draconiana, injusta e parcial. Destina-se apenas ao pobre, ao miserável, ao farrapo humano, curtido vencido pela vida. O pau-de-arara do Nordeste, o bóia-fria do Sul. O filho do pobre que pobre é, sujeito está à penalização. O filho do rico, que rico é, não precisa trabalhar, porque tem renda paterna para lhe assegurar os meios de subsistência.

Depois se diz que a lei é igual para todos! Máxima sonora na boca de um orador, frase mística para apaixonados e sonhadores acadêmicos de Direito.
Realidade dura e crua para quem enfrenta, diariamente, filas e mais filas na busca de um emprego. Constatação cruel para quem, diplomado, incursiona pelos caminhos da justiça e sente que os pratos da balança não têm o mesmo peso.

Marco Antônio mora na Ilha das Flores (?), no estuário do Guaíba. Carrega sacos. Trabalha "em nome" de um irmão. Seu mal foi estar em um bar na Voluntários da Pátria, às 22 horas. Mas se haveria de querer que estivesse numa uisqueria ou choperia do centro, ou num restaurante de Petrópolis, ou ainda numa boate de Ipanema?


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Na escala de valores utilizada para valorar as pessoas, quem toma um trago de cana, num bolicho da Volunta, às 22 horas e não tem documento, nem um cartão de crédito, é vadio. Quem se encharca de uísque escocês numa boate da Zona Sul e ao sair, na madrugada, dirige (?) um belo carro, com a carteira recheada de "cheques especiais", é um burguês. Este, se é pego ao cometer uma infração de trânsito, constatada a embriaguez, paga a fiança e se livra solto. Aquele, se não tem emprego é preso por vadiagem.Não tem fiança ( e mesmo que houvesse, não teria dinheiro para pagá-la) e fica preso.De outro lado, na luta para encontrar um lugar ao sol, ficará sempre de fora o mais fraco. É sabido que existe desemprego flagrante. O zé-ninguém (já está dito), não tem amigos influentes. Não há apresentação, não há padrinho. Não tem referências, não tem nome, nem tradição. É sempre preterido. É o Nico Bondade, já imortalizado no humorismo (mais tragédia que humor) do Chico Anísio. As mãos que produzem força, que carregam sacos, que produzem argamassa, que se agarram na picareta, nos andaimes, que trazem calos, unhas arrancadas, não podem se dar bem com a caneta (veja-se a assinatura do indiciado à fls. 5v.) nem com a vida. E hoje, para qualquer emprego, exige-se no mínimo o primeiro grau.

Aliás, grau acena para graúdo. E deles é o reino da terra. Marco Antônio, apesar da imponência do nome, é miúdo. E sempre será.

Sua esperança? Talvez o Reino do Céu. A lei é injusta. Claro que é.

Mas a Justiça não é cega? Sim, mas o Juiz não é. Por isso: Determino o arquivamento do processo deste inquérito.

Porto Alegre, 27 de setembro de 1999.
Moacir Danilo Rodrigues. Juiz de Direito - 5a Vara Criminal."

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Texto enviado (e-mail) por Cláudio.

domingo, 2 de setembro de 2007

Monarquia parlamentar no Brasil??? Rir p'ra não chorar...

Já tem algum tempo que tento me livrar de uma corrente enviada para meu email. Na realidade, trata-se de um grupo de discussão que acredita ou sonha - ou deseja, ou sei lá o quê! - com uma monarquia parlamentar no Brasil. O que isso me faz pensar?

Bem, primeiramente, posso me lembrar de que a monarquia reflete uma tradição secular européia. Não obstante estar localizado a aproximadamente 11 mil quilômetros de distância de Portugal (Norte de África ou "Península Ibérica"... Europa...?), o Brasil (América Latina...!) sofreu um processo de colonização imperial que, em tese, terminou em 1824 - com a primeira Constituição Imperial do Brasil. Nessa altura, andava por cá o tal D. Pedro IV, também conhecido entre as camas e mucamas brasileiras como D. Pedro I. Era também nessa altura que existia a escravidão no Brasil e, além do mais, a submissão total do Brasil às potências econômico-militares européias - hoje essa submissão é pelo menos velada... ou mascarada, o que representa um potencial de emancipação histórico-cultural.

Mas, eis que surgem os arautos da monarquia, querendo que ela seja parlamentarista. Bem, de fato, se examinarmos a pretensão, estamos diante de uma proposta de estabelecimento da aristocracia (oligarquia) nas terras brasileiras, mas com que objetivo? Com certeza, o tal modelo visa privilegiar uma ínfima parcela da população que - supostamente e com muito boa vontade - teria "sangue azul" (ou origens aristocráticas). Ora, ora, ora. Desculpem-me a ironia, mas isso me incomoda tanto que tenho que ser sarcástico! Então quer dizer que os brasileiros teriam um Rei e, ainda por cima, estaria restituída a Corte no Brasil??? Ha-ha-ha! Mas que piada! Uma monarquia parlamentarista no estilo britânico - no qual a Rainha é uma figura decorativa? Ha-ha-ha! Ou seja, para além de eliminar a figura representativa do Presidente da República (o chefe do Executivo eleito pelo povo), teríamos que sustentar um Rei (ou seja lá o que for) que passaria o dia lixando as unhas e passeando de charrete?? Ha-ha-ha! Ora, o Collor já não tinha eliminado as "carroças" no Brasil? Não há mais lugar para Rei andar de charrete no asfalto!

O que me deixa mais indignado não é a idéia... porque de vez em quando é bom pensar em alternativas (por mais estúpidas que sejam, elas servem para uma "descarga intelectual" na qual as idéias de m.... vão para o lixo). O que mais me incomoda é ter pedido diversas vezes para que me retirassem da tal lista de discussão - porque não tenho nada a discutir com essas pessoas.