sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Fortal: agimos como se não soubéssemos!

Depois da insistência (agradável) de amigos -- que apenas surtiu efeito após a insinuação de que estaria sendo preconceituoso --, decidi ir em grupo para a micareta que se realiza aqui em Fortaleza, no mês de Julho. Bem, é isso que os amigos fazem: nos colocam em situações "diferentes". 

Isso significa que, ao contrário de todo o bom senso -- e até de uma ou duas conversas sobre o "não ir" --, pensei que o episódio poderia me servir de alguma coisa: se não conseguisse ficar "feliz" ali dentro, iria aproveitar a ocasião para fazer aquilo que gera o desprezo/desespero de quem me conhece: analisar criticamente o comportamento de quem estava lá, e do "espetáculo" como um todo.


Uma primeira interação com alguém desconhecido foi imediatamente no portão de entrada da "Cidade Fortal". Estávamos imprensados, centenas de foliões, num empurra-empurra sem precedentes, aguardando que os organizadores se decidissem se iria ou não continuar a etiquetar os clientes (nós, como se fôssemos gado... ou éramos?). Eu estava impassível, calado. A moça me pergunta: -"Que absurdo, tudo isso, né?". Eu me limitei a olhá-la, de soslaio, e disse-lhe: -"Na minha opinião, todos nós que estamos aqui merecemos isso." Afinal de contas, não tinha razão? Bem, esta é uma narrativa -- vamos deixá-la como tal.

Logo após a liberação das catracas -- o primeiro carro-de-som (ou "trio-elétrico", como chamam) já havia passado --, como no estouro de uma manada, entramos aos montes portão adentro; até levantou poeira. Confesso que não sabia para onde ir nem o que fazer, vez que não havia nenhuma sinalização indicativa de começo/meio/fim. Não preciso dizer que o contentamento dos foliões estava estampado em seus rostos -- bem diferente da situação de 20 minutos antes, quando as vaias davam outro "tom" à noite. Quase que por um passe de mágica, tudo estava superado: não havia reclamações a fazer, nem tempo para isso, pois era muito importante correr para entrar no "bloco" e seguir o trio-elétrico.

A partir daqui, o habitual: muitos jovens já bêbados, a tal "pegação" ou "fica" (encontros casuais, temperados a beijos e muita lascívia), algumas demonstrações de testosterona e muitas, muitas garotas. Eu tinha pensado em utilizar a expressão "muitas mulheres", para indicar apenas o gênero, mas fiz questão de enfatizar que não eram nem meninas, nem mulheres adultas, mas adolescentes mesmo. Aliás: a maioria dos presentes transitava mesmo nessa faixa etária terrível,  e quase todos bêbados. Não me pareceu um espaço muito apropriado para o convívio entre adolescentes, jovens e adultos -- mas quem sou eu para julgar, não é?

Eu não quero comentar sobre o estilo musical, porque estou sendo levado a crer que, hoje, depois do "Eu quero tchu, eu quero tcha", já está valendo tudo -- de dedo no olho, à puxão de cabelo. Não posso negar que o clima de histeria coletiva gerado pelo conjunto de fatores ali dispostos, acabam por te levar a dançar alguma coisa -- ou você achou que eu iria mentir e dizer que tudo está perdido? Ouvi até a banda "Chiclete com Banana" fazer uma homenagem ao Jorge Ben Jor, tocando algumas outras músicas mais elaboradas -- neste momento, não me lembro se foi Nelson Gonçalves, mas me fez lembrar dos meus avós, e fiquei muito contente.

Foto do site Se Divirta, disponível em http://www.sedivirta.net/website/index.php/festas/shows/details/5548-fortal-2012-em-fortaleza-ceara-programacao.html


Mas qual a minha impressão geral? Ela se divide em duas partes: a visão de dentro, e a de fora.

Do lado de dentro, o Fortal me fez repensar alguns conceitos que restavam guardados a alguns anos, sobre esse tipo de manifestação em massa. Se você quer se comportar de forma instintiva, sem necessariamente estabelecer nenhuma ligação consciente de alteridade com uma multidão de pessoas, é o local ideal para se exercer o individualismo narcisista. Ali, cada um dos presentes pode se sentir um produto de consumo -- e o auge dessa sensação é durante a passagem pelos camarotes (reservados para pe$$oas de caráter mai$ elevado). 

Do lado de fora, aquilo é barulho, poluição urbana, engarrafamento e pessoas embriagadas ao volante. Eu voltei de taxi, por razões óbvias, mas devo comentar que não havia uma blitz ou operação de trânsito, quer da A.M.C., quer do DETRAN/CE. O que significa que hoje, muito provavelmente, aumente o número de motoristas embriagados voltando do bairro Dunas para suas casas.

Não gostei, nem desgostei. Sou indiferente. Afinal de contas, se 99% quer, porque que os 1% devem se opor? Isso tudo é tão velho como Roma, e para "bom entendedor", meio pingo basta. Só sei que, definitivamente, essa trupe não vê mais o meu dinheiro.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Vivemos num mundo normatizado

A primeira lição que um jovem estudante de Direito deve entender, quando ingressa no curso, é aquela que nos explica estarmos todos inseridos num mundo de normas. A normatividade exerce a primorosa função de conter os ímpetos, os instintos e os desejos da Sociedade, simplesmente porque pressupõe uma organização prévia à inserção do indivíduo na teia. A causalidade, quer dizer, a simples busca pela origem desse padrão pode ser alcançada através da compreensão do papel das famílias, pois esse parece ser o berço de onde surgiu a padronização de condutas e comportamentos.


De fato, a normatividade nada mais é do que a interferência de um comando na conduta do indivíduo, ou uma orientação que gera uma expectativa sobre qual a melhor maneira de organizar um convívio entre duas ou mais pessoas. Na realidade, essa dupla característica da normatividade - prescrição / descrição -- inicia-se em processos tão elementares como indispensáveis à estabilidade da associação entre pessoas; a linguagem, por exemplo, representa um corpo normativo espetacular, e, talvez, primordial, a gerenciar a interação social -- é a mais elementar das trocas humanas, na qual a estrutura básica emissor-receptor necessita de uma padronização para que a mensagem seja entendida e o resultado seja uma comunicação de sucesso entre dois cérebros. A fala, portanto, é o primeiro elo dessa cadeia normativa tão complexa na qual estamos inseridos.

Mas existe uma cadeia normativa muito mais complexa, que perpassa das mais simples normas de organização familiar, ultrapassando as normas de organização educacional, num processo que adquire complexidade crescente. Esse processo normativo, fruto de uma cultura humana qualquer, inclui a formação de normas técnicas, de organização econômica, religiosas e jurídicas. Há nesse escalonamento um aumento no grau de complexidade, porque do empírico até o moral, os critérios de justificação das normas passam a depender da adesão dos indivíduos à observância do preceito contido na norma que orienta a ação. Ainda, os centros produtores dessas normas podem ser flexíveis, pouco flexíveis, ou rígidos, conforme se trate de uma adesão espontânea ditada pela necessidade, pela utilidade, pela fé, ou pelo consenso.

Diante da exposição efetuada no parágrafo anterior, podemos ver que foi seguido um escalonamento que não incluiu a força como um dos elementos subjacentes ao cumprimento das normas. Por que? Simplesmente porque a força não é um critério inerente à normatividade, mas um pressuposto anterior ao surgimento da norma. Talvez seja essa uma das maiores confusões dos teóricos, ao longo dos séculos que, tentando explicar o fenômeno normativo, incluíram na estrutura normativa as ideias de coerção e coação. 

A coerção, aqui entendida como o temor que leva o indivíduo a cumprir o conteúdo da norma -- quer seja ele prescritivo, quer seja descritivo --, nada mais é do que uma reação do indivíduo ao objeto-norma; reação individual que pode não chegar a se constituir diante da norma, haja vista que ela poderá ser recepcionada por completo, sem gerar no ser o medo necessário ao cumprimento do que foi pré-estabelecido, como é o caso da aceitação oriunda da confiança. Assim, a coerção pode ou não existir, e o que não está presente, mas antes é apenas uma possibilidade, não é concreto e não pode ser algo constituinte do real.

A coação, que seria a utilização ou da força física, ou da psíquica, ou de ambas, também não integra a ideia de norma, pois é uma condicionante externa da convivência social: é um dado natural, também exógeno ao conceito de norma. Na realidade, a norma existe para que o ser humano não se utilize da força para exigir um determinado tipo de conduta -- mas isso também não impede que a norma contenha uma autorização para o seu emprego, tanto que se tem, no Direito, o cumprimento forçado da sanção, como forma de demonstrar a obrigatoriedade da norma àqueles que simplesmente não aderiram espontaneamente ao seu cumprimento, fazendo-se valer o conteúdo normativo por meio da violência institucionalizada.

Portanto, o entendimento aqui exposto é o de que vivemos num mundo normatizado para que não nos utilizemos da violência para garantir qualquer ordem ou organização social. Deve-se pensar na norma como um instrumento, uma ferramenta à disposição dos processos de interação social. Porém, se as normas são utilizadas com o objetivo de garantir a opressão de uns sobre os outros -- que é o que tem sido feito desde sempre --, aí não se trata de uma questão relacionada à estrutura das normas, mas diretamente ligado ao uso que os seres humanos fazem dos objetos e coisas que cria.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Democracia brasileira: verde por fora, podre por dentro

Numa de minhas recentes conversas com a professora de filosofia Sandra Helena Sousa, conversávamos sobre o sucesso dos Torneios Erísticos, organizados a nível de graduação, na modalidade "curso de extensão", para os alunos da Universidade de Fortaleza. Estávamos avaliando os resultados, que julgávamos positivos, sobre a participação e engajamento dos alunos, não apenas pelos temas em si (adoção de filhos por casais homoafetivos e aborto de fetos anencéfalos), mas pelo motivo que me faz escrever agora: a Sociedade brasileira está se preparando para os grandes debates. Esse preparo tem tudo a ver com a Democracia.


Quando comecei meus estudos sobre História da Filosofia, me chamou a atenção o fato de que os gregos desenvolveram-na -- a Demokratia -- com o intuito de substituir a força da violência pela força do consenso, e, também, por um fator pouco discutido, mas que considero válido e de extrema importância: à semelhança do que aconteceu em outros momentos da história, houve um aumento médio da riqueza do homem grego, o que fez surgir disputas pelo poder de administração da cidade, entre os aristocratas e os novos ricos, que se beneficiaram das expansões militares e comerciais gregas.

É nesse momento que surgem alguns desdobramentos daquilo que chamamos filosofia, no que ela tem de mais significativo no discurso: surge a retórica, a oratória, a transmissão da mensagem como forma de arte e de saber. É claro, entretanto, que houve outras reviravoltas no desenvolvimento dessas aptidões, como a procura socrático-platônica pela Verdade, pela categorização aristotélica, e tantas outras, que tinham por oponentes os sofistas e seu relativismo, por exemplo. Mas é exatamente desse momento inicial que estamos a falar: o do despertar do debate, a convicção do orador, seu pathos, ethos e logos, dos topoi, da construção de um arcabouço que orientou a construção do discurso político de tradição eurocêntrica -- de cuja tradição brasileira é parcialmente herdeira.

Nós não temos nem experiência, nem tradição com Democracia. Por várias razões, e uma das mais importantes é a nossa colonização e sua ancestralidade anárquica: "Há, na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa nem se deixa governar!" (frase atribuída ao General Galba, primeiro administrador da Península Ibérica). Os chamados "degredados" que aqui vieram estabelecer suas colônias -- com as práticas da escravidão e da servidão, conforme a origem étnica de cada indivíduo -- conviviam com a pirataria nas águas internacionais, e com uma monarquia corrupta e ineficiente -- que fez uma péssima aposta no metalismo, sem acompanhar o desenvolvimento comercial de seus pares europeus.

Nossa primeira Constituição, outorgada por Dom Pedro IV - inocentemente chamado nestas terras de D. Pedro I -, que se propunha a ser uma Carta liberal, na realidade disso passou longe, e representou, na prática, um distanciamento entre as esferas do político e do jurídico. Criou um Império que, nos termos do artigo 3, teria um governo "Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo", sendo que aqueles que quisessem se candidatar para os cargos de senador deveriam ter renda de oitocentos mil réis (art. 45, inciso IV), e para os de deputado, quatrocentos mil réis, de renda líquida. Porém, não podemos ser ingênuos e achar que tais limitações tenha sido uma inovação lusitana. 

Os inventores do regime democrático, e seu marco ateniense, excluíam da participação na Ágora os estrangeiros, escravos, menores de vinte e um anos e as mulheres. Foi um governo de homens maduros, cidadãos gregos, livres, que tinham por preocupação o estabelecimento de regras para a organização da Cidade-Estado. Era, portanto, também ele, na origem, excludente. Esse tipo de administração da res publica pressupunha pessoas num mesmo nível social, discutindo assuntos de seu interesse - através do diálogo, do consenso, decidiam sobre "seus" assuntos "públicos".

É por isso que não me espanto quando vejo pessoas como Luiz Felipe Pondé discutindo os perigos da Democracia com meia dúzia de "formadores de opinião". A Democracia tem perigos, sim. Um dos mais graves é a falsa construção do conceito de "Bem Comum", ou a noção de "Justiça", ou qualquer uma das ideias que povoam o inconsciente político ocidental. 

Platão, no devaneio que teve em sua obra "A República", já fazia menção à necessidade de fazer com que os homens do povo respeitassem às leis, para que fossem felizes, mesmo que para isso fosse necessário ao Legislador (Filósofo-Rei) o uso da mentira. Numa sociedade de massas, do homem-massa, quantas vezes já não se cometeram atentados contra minorias, e quantas outras vezes assistimos continuamente ao embate entre os diferentes grupos? Como reagir, diante do "discurso da democracia global" sendo empurrado ao redor do mundo, pela força das armas?

Esse também foi um diálogo que tive com os juristas e professores Rodrigo Saraiva Marinho e Giovani Magalhães. O que quer o povo? Democracia é realmente o melhor regime político? As inqueitações que o tema traz são enormes, principalmente porque o regime democrático como uma garantia -- e nos esquecemos do nosso recente autoritarismo.
Mas temos que nos lembrar de que este é o "desafio-Democracia": ela pressupõe o preparo, o diálogo, a troca de experiências e, acima de tudo, o reconhecer das particularidades, do indivíduo e das diferentes formas de ser e estar. Ela deva englobar a divergência nas perspectivas, e deixar aos indivíduos a possibilidade de errar. Sim! Nós podemos errar! Nós temos o direito de errar, porque nós também temos o direito de mudar de opinião. Como também temos o dever de transmitir aquilo que conhecemos como correto -- coisa que os intelectuais se negam a fazer: ir ao encontro do povo, ao invés de ir de encontro a ele; muitos acadêmicos mantém-se entre o "povão" e o "povinho", escondidos em seus gabinetes de ar-condicionado...

Ainda temos que perceber o seguinte: a tecnocracia também não é uma solução, ao contrário do que vem sendo ventilado ao longo dos últimos anos no Brasil. Se os políticos corruptos podem roubar, é porque recebem a excelente assessoria técnica de burocratas muito bem versados nas artes jurídicas, econômicas e contábeis! Esses, os tecnocratas, tomam suas decisões técnicas, sem a minima moralia.
Assim, eu finalizo este pequeno ensaio -- todo escrito em primeira pessoa -- para lhes dizer o quanto estou feliz porque estou no gozo de minha liberdade democrática de livre pensar, de livre expor as minhas ideias, por mais que tenha escrito um monte de asneiras, deixando você também livre, para acreditar, refutar, enfim, me "encher o saco"! Mas você não pode me impedir de dizer o quê eu penso...

(É preciso ser ambíguo)

domingo, 1 de julho de 2012

A cultura no Ceará (?): inauguração do Centro de Eventos de Fortaleza

É surpreendente a capacidade que têm gestores cearenses de cometer os maiores deslizes na administração local e regional. A inauguração do Centro de Eventos de Fortaleza (CEF), ontem, foi o maior exemplo da falta de compromisso do Governo do Estado com o cidadão, através da promoção do show de Ivete Sangalo e de Jennifer Lopez. O "evento" foi o mais claro ato de comédia - gênero dramático que faz o público rir, diante do escárnio às vicissitudes do cotidiano e das debilidades humanas.


Nesse aspecto - da comédia -, o show demonstrou exatamente os traços mais débeis de nossa cultura, exatamente porque não fomos capazes de exigir uma conduta diversa da Secretaria de "Curtura" do Estado; somos uma comunidade sem identidade, nos dizeres de Agamben, pois nos limitamos a importar um enlatado, uma artificialidade cultural, um produto, que veio aqui em terras alencarinas simplesmente reproduzir meia dúzia de frases, gravadas (o show da norte-americana foi playback! e o da baiana foi o que sempre é). Não houve um acréscimo, a tal "criatividade", mas simplesmente uma simulação (Baudrillard), alimentada pela ânsia que o público local tem de se sentir parte do global - complexo de inferioridade característico de países e regiões da periferia do sistema mundo.

É por essas e outras razões que o artista local não consegue reconhecimento ou mesmo sustento de sua vida através da arte. Estamos fadados a assistir a um não-surgir de um novo Luiz Gonzaga, ou ao não-aparecimento de um novo Zenon Barreto; mas tolos fomos nós, que pensávamos que o CEF iria promover a produção artística local e/ou a exposição do que se já se fez ou do que se reinterpreta; ele é nada mais, nada menos que um centro de eventos, e por eventos, entenda-se somente isto: deslocamento ou concentração de pessoas, para festas.

E ontem foi a festa do Governo do Estado. Uma festa que ocorreu num Centro de Eventos que não tinha acesso para pedestres, em seu projeto original. Não fora o protesto das comunidades, teríamos ficado com a declaração do Secretário de "Curtura", de que "quem vem ao CEF, vem de carro!".

Taí a democracia. Engula!